Se eu tivesse que fazer um relato, seria sobre algo que completa cinco meses amanhã. Meu professor de redação disse que esse tipo de texto deve narrar algo marcante na nossa vida, e isso foi.
Era uma tarde de sexta feira, férias, estava em casa, entediada depois de horas na frente de um monitor de computador. O telefone tocou e minha mãe atendeu, não ouvi a conversa, só escutei a voz da minha progenitora falhar ao chamar pela minha irmã.
Levantei assustada e fui perguntar o que tinha acontecido, com lágrimas nos olhos, ela só conseguia repetir "o vô, o vô!". Não foi preciso mais do que isso para que eu e a minha irmã compreendêssemos, a morte chegara, cessando a dor do velho, mas aumentando a nossa.
Nunca tinha lidado com a morte, fora a primeira e única vez, lembrando de tudo isso ainda me sinto igual: incapaz de fazer qualquer coisa. Só uma coisa mudou, antigamente, eu tinha esperanças de que fosse uma mentira; hoje, não. Sei que é verdade e isso me dói demais.
Meu pai chegou e ao saber que seu pai tinha morrido se mostrou forte, o abatimento tomava conta de seu rosto, mas não chorou. Manteve a calma e mandou nos arrumarmos.
Tudo parecia uma ilusão até minha mãe telefonar para o meu irmão, os gritos de dor, o choro, o desespero era perceptível por qualquer um que passasse na rua. Então eu percebi.
Foram dezoito horas de viagem para buscar o meu irmão e seguir ao velório. Foram dezoito horas sem dormir, chorando, pensando, me arrependendo.
Achei que não fosse acabar nunca. A morte é tão injusta, se dorme, contudo não se acorda. A morte é eterna e irreversível.
Quando a viagem acabou, encontrei meu avô dentro de um caixão com os olhos fechados, olhos que eram azuis. Encontrei-o magrinho, sem aquela barriga costumeira que sempre teve desde que me lembro dele. Encontrei o coração parado, o sorriso fechado. Não encontrei palavras.
Ainda não sei descrever a minha dor, mas a todo momento eu pedia que ele levantasse dali. Via minha priminha sem entender o que se passava, a caçula da família, revi todos os meus tios, meus primos, meus conhecidos de Euclides.
Foi horrível.
O enterro foi pior, quando o último tijolo foi assentado, entrei no carro e fui embora, ainda com lágrimas nos olhos, sem vontade de viver.
A morte é mesmo injusta.
Ainda hoje, praticamente cinco meses depois, meus olhos se enchem de lágrimas e eu me pergunto por que tudo é assim: um dia se está vivo, no outro já não se está. Queria voltar no tempo, revê-lo mais uma vez, acabar com essa minha dor que cessou a dele. Queria só ver seu sorriso e não mais imaginá-lo.
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