quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Adúltera

Sinto-me adúltera. Vazia. Fraca. Ridícula. Uma vagabunda qualquer, isenta de sentimentos, de emoções, de caráter. A vergonha de ter sido fraca me persegue em todos os meus passos, sequer posso ir a cozinha sem me lembrar de você, sem me lembrar do que fiz, da tua reação.
Perdoe-me. Ao menos uma vez, ao menos você. Não mereço...
Piso nesses paralelepípedos com meu salto gigante, ouço uma música qualquer e meu pensamento voa longe, não queria que fosse assim. Queria estar na minha cama, culpando-me pelo o que  fiz, queria estar de chinelos e uma roupa qualquer, com a cara inchada, borrada. Lê-se em meus olhos a culpa, a espera de um perdão. Não consigo me perdoar. Não consigo me olhar.
Desesperada, virei todos os espelhos do meu apartamento, escondi-me de mim mesma, anulei-me. Sou capaz de contar em meus dedos o número de horas que dormi esta semana, minhas olheiras aumentam, a culpa também. Aquele velho sofá que suporta meus choros, minhas bebedeiras... Todas as noites. Aquela velha agenda que, ultimamente, só recebe anotações melancólicas, culposas. 
Por um momento, eu penso em quão bom seria um apocalipse, assim, aqui, agora. Um raio na minha cabeça, um prédio desabando em mim, um zumbi comendo meu cérebro. Odeio zumbis, acho-os ridículos, contudo eles não sentem, certo? Gostaria de ser um.
Meu ônibus chegou, o motorista sequer me dá "bom dia", vejo em seus olhos que ele sabe de tudo. Todos sabem. Mudo a música. Inspiro. Mudo de novo. Expiro. Pauso.
Desisto.
Desisto de tudo, desisto da vida.
Desço no primeiro ponto, corro para a primeira praça, desisto.
Abro minha bolsa, procuro um pedaço de papel qualquer e uma caneta, um último recado, um último pedido de perdão, é só isso que eu quero. Com a letra trêmula, com os olhos embaçados pelas lágrimas, com a vida por um fio, eu escrevo. F., perdoe-me, fraca, incapaz, uma vagabunda. Perdoe-me, para que assim, somente assim, eu descanse em paz. Perdoe-me. 
Em momento algum da minha vida, senti-me tão fraca e só quanto agora, sinto-me covarde por optar pela morte a encarar os fatos, penso em tais coisas enquanto direciono-me ao trabalho daquela que confiara em mim, entrego o bilhete à sua secretária, esta manda-me sentar, mas não posso. Um minuto a mais e eu desisto e eu torno a me tornar a adúltera de sempre.
Paro na calçada do prédio e olho a quantidade de carros na rua, todos os motoristas vivendo suas vidas. Inspiro, fecho os olhos, vou, morro.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Hoje

Constantemente me pego pensando sobre o futuro, sobre o presente, pouco sobre o passado. O passado já não é verdade, já não me pertence, mas o meu presente refletirá no futuro e é com o futuro que eu me preocupo. Não conclui muito sobre a vida, sequer cheguei a conclusão de quando é que ela começa, se é com a formação do zigoto, se é com o início da atividade cerebral, se é quando se nasce.
Só tenho duas certezas sobre a minha existência, a primeira é que estou aqui, a segunda é que vou morrer. Nascer e morrer. O intervalo de tempo entre essas duas ações pode ser longo ou não, aproveitado ou não, não aproveitá-lo me incomoda.
Contudo me pego sozinha me perguntando o que seria aproveitá-lo. O que seria, de fato, "viver"? Disseram-me uma vez que eu vivo em função do futuro, e eu vivo, e isso me preocupa, tenho medo de desperdiçar o hoje tão ocupada com uma possível realização daqui alguns anos que acabarei me tornando incapaz de sentir. Tenho medo de perder minha sensibilidade, de perder a minha juventude e com ela meus sonhos. Tenho medo de entrar no mundo adulto e esquecer aquela criança que tanto existe em mim, quanto em você. Vejo tanta coisa ruim no mundo que não posso deixar de me perguntar como ninguém faz quase nada para mudar. Claro, algumas pessoas fazem, algumas poucas, que, comparadas com o nosso número total, pouco significa.
Sei que preciso evoluir espiritualmente e em minhas preces sempre peço humildade e sabedoria, peço que eu me desprenda da matéria cada vez mais, tornando-me assim um ser livre, entretanto vejo que isto se torna cada dia mais difícil.
Sinto como se o meu coração pertencesse ao mundo, mas o mundo não pertencesse ao meu coração. Não queria estar sentada numa droga de uma cadeira giratória com um computador na minha frente, queria estar aprendendo. Perdi a conta de quantas foram as pessoas que me disseram que o conhecimento é a maior riqueza que nós podemos ter, que dinheiro não é nada. Muitas vezes menosprezo o conhecimento científico por conhecer tantas pessoas sábias que nunca sequer pisaram numa escola, mas sei que sem base científica não se vive.
Hoje, hoje, hoje, sem me preocupar com amanhã, eu gostaria de me livrar dessa carcaça que eu tenho em mim, dessa capa, dessa máscara. Espero que com o decorrer do tempo, eu me desprenda da matéria, que eu evolua, que eu deixe de pensar só com o coração, ou só com a razão, que eu seja capaz de aliar ambos e fazer a melhor escolha.
Hoje, eu queria que o mundo pertencesse ao meu coração e que a beleza da vida pertencesse aos meus olhos.