sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Como de Costume

Entre. Disse sem resistência alguma e olhos baixos. Sente-se, sinta-se à vontade! Como de costume, serviu biscoitos e leite. Ligou a tv em um canal qualquer e observou, mexia-se suavemente, como de costume. Falava baixo e pouco, como de costume, mas causava tristeza, como de costume. Autora de nostalgia e lágrimas.
Observava enquanto o vento entrava pela janela a esquerda, este bagunçava-lhe os pensamentos, uma voz ao fundo cantava em um programa qualquer. Finalmente sua visitante olhava-a nos olhos, não eram precisos palavras, a dor consumia-a, seu nome era simples, era popular, e triste, estava sempre presente, mas ninguém gostava dela. Era a Saudade, como de costume.

domingo, 21 de agosto de 2011

Riu

Pensava enquanto limpava, limpava enquanto pensava. Lourdes era o seu nome, era nova, mas as marcas de cansaço lhe davam uma idade superior. Não tivera grandes oportunidades quando nova, hoje sua vida resumia-se a fazer faxinas para bancar-se. Apesar disso, sonhava. E como sonhava.
Lourdes não sonhava em morar nas mansões de luxo que limpava, mas sonhava em sustentar-se com as palavras, ninguém sabia, mas escondida no seu quarto pós todo o dia árduo que tivera, ela escrevia. Escrevia com e por amor. Fora nos livros que encontrara uma razão para viver, um por que, uma vida. Lourdes escrevia com a letra deitada e engraçada, toda desajeitada, não entendia muito de gramática, mas a literatura da vida lhe ensinou a se expressar. Escrevia porque vivia, e, inevitavelmente, vivia porque escrevia.
Identificava-se com todas as suas histórias, ou mesmo com as pequenas frases que escrevia durante o dia, era uma letra e um sorriso, uma letra e um sorriso, e assim seu dia desenhava-se melhor.
Lourdes não queria muito, apenas queria ser feliz, dentro do que acreditava ser felicidade. Não se relacionava muito com homens, tinha medo de magoar-se, e sua auto estima era muito baixa, tão baixa que sentia-se incapaz de olhar-se no espelho. Mas mesmo assim, tentava arrumar-se o máximo que podia.
Não costumava sair nos seus dias de folga, mas em um deles resolveu esticar as pernas na praça, sempre com um caderninho de anotações ao lado, sentou-se, fechou os olhos e inspirou, então apreciou, por muito tempo fez isso: apreciou.
Via longe crianças brincando, crianças que visualmente eram menores que seus dedos, riu, riu sozinha. Lembrou-se do pai e do cheiro de feijão na cozinha da mãe. Riu. Lembrou-se das irmãs mais velhas e das bonecas riscadas. Riu. Lembrou-se do primeiro namorado. Riu. Viu um homem alto, magrelo, desajeito, e, pela primeira vez, imaginou-se casada e riu.
Pegou o caderno e, rindo, escreveu uma frase que há algum tempo lera: Amor para viver e flores para ter pelo o que viver. Agora a entendia.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Só e somente

Olho para essa foto cheia de significados e tento decifrá-la, olho para o seu sorriso, êxtase, vontade de "quero mais", tudo ao redor se cala, o seu sorriso, de fato, diz tudo. São tantas metáforas que podem facilmente ser criadas a partir dele, tantas figuras, sonhos, letras, desenhos.
Nunca ninguém pensou existir um sorriso tão cheio de significados quanto esse, é muito "eu", muito sentimento, muita paixão, muita vontade de entregar-se, tudo em um sorriso. São seus cabelos bagunçados, os olhos pequenos, e o sorriso largo, extremamente largo.
É esse sorriso que me confunde, que me ilude, que me tira do lugar. Mas eu sei que não é para mim, e dói-me imaginar sua dona. É esse sorriso que nesse exato instante eu olho a procura de inspiração, é só e somente ele. É só e somente ele que me inspira, que me dá o ar, que me tira o folego, tão lindo, tão intenso, não tão meu, tão seu.
Sua personalidade é denotada nele, intenso, como você. Cheio de carinhos, como você. Gentil, como você. Explicação carnal dos versos de Vinícius de Moraes, de Camões, de Chico, de Caetano. São tantos clichês em você, tanta vontade, tantos quilômetros, tantas mentiras. Tantas palavras grudadas em meus lábios, como seu nome. Tantos sentimentos falsos, como todos esses. Tantas ilusões, como você.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

E continuou

Andava cabisbaixo, como de costume. Sorria pouco, e nesse pouco, sempre chorava por dentro. O passado lhe remoía, nunca lhe abandonava, somente esse. Era um dia chuvoso, típico de São Paulo, caminhava por ai dentro do seu terno caro, com sua maleta na mão, pensava no que diria naquela reunião. Então, sem mais nem menos, o passado o atacou novamente, todos os seus fantasmas lhe assustavam, estava prestes a ter um surto ali mesmo, no meio da Avenida Paulista, sabia disso, e resolveu se esconder.
Correu até um bar, sentou na ultima mesa, aquela no fundo, escondido, onde nem os atendentes o visualizavam, queria estar só, queria acabar com tudo isso, queria viver, mas não podia, não conseguia. Nenhum de seus psiquiatras conseguia ajudá-lo, e ele sentia-se incapaz de ajudar-se.
Suas mãos suavam e tremiam enquanto ele tentava segurar o choro, enquanto tentava acalmar ao menos a face, já que a alma não se acalmaria.
Levantou e saiu correndo, no meio da rua avistou um prédio em construção, para lá foi, chorando como criança, tristonho, procurando salvação. Subiu até o último andar escondido, sentia o cheiro de cimento, ouvia os pedreiros gritando e cantando felizes, invejava-os.
Carlos era um advogado de sucesso, seu nome era conhecido por todos os lados, mas ninguém o conhecia, o seu íntimo era um mistério. Agora ele se via em uma situação que jamais previra, sentia inveja de pedreiros. Carlos nunca abaixou a guarda, sempre se colocara em um pedestal grego, do qual nunca quis sair. Agora estava ali, sozinho, abandonado por todos e por si mesmo.
Quando chegou ao último andar, abandonou sua maleta, olhou para os lados, sentia-se perto do céu, queria sentir a paz que o céu transmitia, perguntou-se como faria para estar junto dele, queria velejar pelas nuvens, queria sorrir, olhou as pessoas lá de cima e sorriu, pensou nas vidas medíocres das mulheres que passavam bem vestidas abaixo dele. Correu para o outro extremo do prédio, viu crianças cheirando, sentiu pena.
Olhou para si e viu uma mesma criança, entendeu uma velha música que sempre lhe atormentava. Parece cocaína, mas é só tristeza. Repetiu para si mesmo. Sabia que de fato era. Sentou-se e chorou. Então ouviu aquele velho barulho que o irritava, reconheceu-o facilmente, era o celular. Ignorou uma vez, lembrou-se da reunião que marcara. Em sua mente a vontade de ignorar foi menor do que todos os problemas que apareceram, tinha de trabalhar, precisava de dinheiro para sustentar o luxo da família, acabara de comprar uma casa nova e precisava pagá-la. O celular novamente tocou, Carlos limpou os olhos com os dedos, e atendeu, ouviu apenas um "você está atrasado!", sem questionar, pegou a maleta, desceu do prédio, pegou um táxi e sumiu, foi em direção a reunião, em direção ao seu inferno pessoal. E continuou, longe do céu, longe da paz.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

9 linhas

Tão bom te ter aqui em meus braços enquanto escrevo isso mentalmente. Esperei tanto por esse momento e agora o tenho, te tenho. Tão bom abraçar-te enquanto você me faz carinho. Tão bom sentir seu cheiro, puxar-te para mais perto de mim. Tão bom poder sorrir o seu sorriso, desenhar seus traços com o dedo. Tão bom você, tão bom eu, tão bom nós.
Tão aconchegante seu colo, tão gostosa nossa trilha sonora, seus olhos, meus olhos. Tão especial esse momento, tão sincero meus gestos, tão delicado seu sussurro, tão incompleta sou sem você.
Tão... Tão... Tão eu, tão você, tão nós. 

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Ao menos você, perdoe-me

Meu querido diário,
Confundo-me ao escrever aqui, principalmente hoje, confundo-me em tudo. Queria tentar explicar-lhe, ou só explicar-me, mas tudo aconteceu tão rápido que me sinto incapaz de fazê-lo. Sei que estou errada, sei que traição não merece perdão, porém quero-o.
Talvez tenha sido a mágica daquela cidade, talvez tenha sido o fato de ver alguém que eu sempre desejei avistar, talvez tenha sido minha fraqueza. Talvez tenha sido a capacidade da minha memória deletar as coisas que me incomodam. Lembro-me de tudo, hoje me sinto uma espectadora, uma terceira, e torturo-me. Fraca, incapaz de resistir aos sorrisos dele, aos seus lábios.
Quero perdão, mas sei que não mereço-o. Não culpo João por me abandonar, por me expor ao ridículo, por gritar xingamentos em minha direção. Eu sou a culpada. Dói-me lembrar do rosto dele ao ouvir tudo o que eu tinha de dizer, posso vê-lo andando nas ruas de cabeça baixa enquanto se dá conta de que eu o trai, de que eu o fiz de tolo. Mas, agora, me dou conta de que troquei-o por algumas noites e me odeio.
João, que sempre fora tão meu, tão para mim, que nunca mediu esforços para desenhar sorrisos em meus lábios, João, ah, João...
Diário, você que sempre me escuta, você que sempre me acompanha, você que vê meus erros, mas não pode ajudar-me, aconselhe-me em seu silêncio. Ajude-me, escute-me. E, por favor, ao menos você, perdoe-me.
A chuva bate na minha janela, minha cama está vazia, sou só eu e você, a música antiga na vitrola me deprime, mas não tenho coragem de mudá-la, quero sofrer o que João sofreu, quero colocar-me em seu lugar. Quero ligar-lhe, implorar-lhe perdão, dizer que o amo, que agora eu sei: eu o amo. Entretanto não posso fazê-lo, errei, não mereço perdão, não mereço sua voz, nem seus toques, não mereço sua melodia da gaita acariciando meus sonhos. Não mereço sua companhia na cama, não mereço seus cafunés. Não o mereço.
Imagino-o num bar agora, enchendo a cara querendo esquecer-me, enquanto aqui estou eu, forçando-me a lembrar-me, odeio-me por perder aqueles olhos grandes e castanhos nos meus, aqueles cabelos bagunçados, aquelas mãos macias, aquele sorriso aconchegante. Odeio-me por tudo, então, querido diário, ao menos você, perdoe-me, pois não posso perdoar-me.
Com todas as  culpas do mundo,
Marina.